Não é surpreendente ver o seu filho, que talvez nem fale direito, manusear com tanta facilidade o smartphone que você acabou de comprar? E o que dizer sobre os pequenos “gênios” que já baixam os seus aplicativos preferidos e chegam à última fase daquele jogo que você não consegue passar nem para a segunda etapa? Tudo isso faz pensar: será que as crianças de hoje são mesmo mais inteligentes? Os pais – e os avós, claro – acreditam que sim e, em parte, estão certos. A resposta estaria na epigenética, a capacidade de adaptação dos genes de acordo com o ambiente. Ou seja, o cérebro do seu filho, na verdade, apenas está mais adaptado à realidade que o cerca do que o dos bisavós quando tinham a mesma idade. “Provavelmente porque o mundo hoje oferece mais estímulos intelectuais”, afirma a neurocientista norte-americana Sandra Aamodt, editora-chefe da revista Nature Neuroscience e coautora de Welcome to Your Child’s Brain (Bem-vindo ao Cérebro do Seu Filho, em livre tradução).
A “construção” dessa máquina engenhosa começa ainda no útero, onde se formam bilhões de células nervosas chamadas neurônios. Funciona assim: para se comunicar uns com os outros, eles enviam sinais elétricos, as sinapses. Tais conexões formam circuitos que são a base da arquitetura cerebral. No cérebro do seu filho há mais sinapses do que no seu. Para se ter uma ideia, por volta dos 12 meses ele chega a produzir o dobro do que o de um adulto. Cada neurônio se comunica, em média, com outros 10 mil (número que pode variar de um a 100 mil, ou mais, dependendo da função que ele tiver). As sinapses que se proliferam rapidamente e as mais usadas se fortalecem. Mas as que o cérebro considera pouco “úteis” desaparecem – um processo natural chamado poda cerebral, que acontece durante a infância e a adolescência. “As sinapses que não estão contribuindo o suficiente são removidas, o que otimiza o funcionamento do cérebro ao torná-lo mais eficiente”, resume a pediatra Patrícia Cintra Franco Schram, do departamento de pediatria do desenvolvimento e do comportamento, da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.
Ainda na gravidez, as áreas do cérebro são definidas (cada uma tem um propósito diferente) e aumentam de tamanho. A maturação também começa no útero – mas só vai terminar quando seu filho já estiver na faculdade – e segue uma sequência: começa na região posterior da cabeça, indo em direção à parte da frente. É por isso que uma das primeiras habilidades que adquirimos é o caminhar: o equilíbrio é uma função comandada pelo cerebelo, que se encontra na parte de trás do cérebro. Do ponto de vista evolutivo, aprender a caminhar abre uma série de oportunidades para o desenvolvimento da criança, que agora vê o mundo por outro ângulo e pode chegar onde quiser (ou quase).
Qual o seu papel?
Antes mesmo que você se pergunte, porém, se está estimulando o seu filho o suficiente, relaxe. “O desenvolvimento do cérebro tem sido moldado há milhares de gerações ao longo da evolução da humanidade para se tornar a máquina mais sofisticada de processamento de informações que existe no mundo. E, o mais surpreendente, ela se constrói sozinha”, diz Sandra. Como assim? Desde o nascimento, o bebê tem uma predisposição natural para buscar experiências que vão lhe ajudar a se adaptar ao ambiente – e tudo tem um tempo certo para acontecer, como vamos mostrar a seguir. Por essa razão, para atingir todo o potencial, seu filho tem apenas de crescer em um ambiente saudável, cercado por pessoas que saibam cuidar dele (mas que não precisam ser perfeitas!).
Os pais, no entanto, não são meros coadjuvantes nessa “obra”. Um estudo feito pela Universidade Washington, de Saint Louis, nos Estados Unidos, sugere que as crianças criadas com afeto têm o hipocampo (área do cérebro responsável pela memória) quase 10% maior que as demais. Para chegar a tal conclusão, os especialistas analisaram imagens do cérebro de crianças de 7 a 10 anos (que também tinham sido avaliadas entre 3 e 6 anos) e como elas interagiam com um dos pais. A capacidade e o modo deles acalmarem o filho em certas situações estressantes simuladas na pesquisa, como a espera para abrir um presente, foi um dos parâmetros utilizados pelos cientistas para classificar o nível de carinho, digamos assim, entre pais e crianças. É uma das poucas evidências dos efeitos do tipo de criação na anatomia cerebral.
Mas, como todos sabem, os limites também são uma forma de demonstrar amor. Talvez por isso eles sejam essenciais para o desenvolvimento cerebral. De que forma? “A experiência da frustração vai obrigar o cérebro a buscar novas conexões”, afirma Adriana Foz, especialista em neuropsicologia e coordenadora do Projeto Cuca Legal, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Então, toda vez que você diz “não” para o seu filho – e fica com o coração partido –, contribui para a criação de novas sinapses, pois diante de uma impossibilidade, a criança precisa pensar em outra forma de lidar com aquela situação e são os neurônios que vão trabalhar para isso. E tem mais: isso acontece desde os primeiros meses de vida. Lembra quando você tentava acalmar o bebê sem tirá-lo do berço? Sem querer, já estava o ajudando a praticar a tal da resiliência. “As emoções, afinal, estão no cérebro”, diz o neuropediatra Saul Cypel, do Hospital Israelita Albert Einstein (SP). E esse equilíbrio entre limite e afeto é essencial para outra conquista cerebral que os cientistas consideram tão importante quanto a inteligência: o autocontrole.
Vale lembrar que, para tornar seu filho mais esperto, não é preciso gastar muito. A oportunidade de brincar e explorar o mundo e, principalmente, a interação no dia a dia com os pais é fundamental nesse incrível processo. “Provavelmente não faz a menor diferença se a criança está aprendendo com um brinquedo ou transformando colheres e panelas em um tambor”, completa a neurocientista Sandra. Fique tranquilo. A melhor notícia é que você vai assistir a esse espetáculo da primeira fila.
BRINCAR É PRECISO!
Se a gente tivesse que dar só uma dica, seria: deixe seu filho brincar. É assim que ele desenvolve habilidades que vai precisar no futuro. No faz de conta, por exemplo, ele está experimentando papéis, aprendendo a esperar a vez, descobrindo possibilidades. É também enquanto “treina” para a vida – e isso significa brincar de qualquer coisa, na verdade – que surgem novas conexões cerebrais. “Estudos com animais mostram que o brincar ativa regiões do cérebro que liberam a noradrenalina, substância relacionada à plasticidade (capacidade do órgão de aprender)”, explica a neurocientista Sandra Aamodt. Por isso, se você achava que quanto mais o seu filho estudasse, mais inteligente ele seria, atenção. “É brincando que o cérebro vai alcançar todo o seu potencial”, afirma a psicoterapeuta e ludoeducadora Germana Savoy, que é consultora em hospitais e outras instituições.
PAPO DE MÃE
Como se desenvolve o cérebro e a inteligência nos bebês? O cérebro humano é um órgão complexo e delicado. Hoje, sabe-se que a maior parte do potencial intelectual e social de um adulto é resultado de estímulos dados ao cérebro nos primeiros 18 meses de vida.
Fonte: Revista Crescer
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